terça-feira, 7 de abril de 2009

O DOMINÓ ROXO

Já entrados que somos na Quaresma, não me posso esquecer dos dias de carnaval.

É a festa que mais me faz refluir ao coração as inesquecidas aventura da minha vida, imagina Eugenia, a sedução que êsses dias de loucura exerciam sobre mim, eu que nasci para gozar a vida em todas as suas modalidades e que, por um capricho da sorte acabo a existência silenciosamente num caustro.

Agora que me contento com ouvir as algazarras, os brados, os estouros dos que ainda não morreram para o prazer, fecho os olhos cansados e procuro ressuscitar dentro de mim, os últimos carnavais em que tomei parte.

Num deles, numa imitação perfeita daqueles desventurados amantes de Verona, fui um Romeu extraordinario ao lado de uma Julieta inesquecível; ela era morena e delicada, flôr que há muito me seduzia com o perfume de sua carne de moça tropical e ardentes olhos profundos: Mas a sua familia odiava a minha gente e os meus pais juraram exterminá-la um dia.

E nós, por um destino ingrato, nos amávamos contra tôda a esperança de uma futura união: O amor, minha querida Eugenia, tem dessas tiranias: nasce, inflama-se, justamente, lá, onde nada há que o possa eternizar.

Pois naquele ano, Julieta deu o mais requintado baile à fantasia de que tenho lembrança: Por uma verdadeira maldição, trabalho oculto do destino que em tudo sempre me foi cruel, recebi tambem um convite, uma ordem para o baile.

Naquele tempo éramos romanticos em tudo, e pelo único prazer de merecer um sorriso, um olhar, que fosse, arrostávamos os perigos maiorese as mais ariscadas decepções.

Como entrar naquele baile se o salão parecia aos inimigos rancorossos da minha gente? Como comparecer aquela festa sem incidir na maldição que os meus juravam a todos os que cruzassem os umbrais daque casa? Entretanto, o convite trazia uma ordem imperiosa do meu amor e eu sentia no seu perfume o hálito de quem me goverava a alma e me seduzia o coração.

As letras do seu escrito tinham sido iluminadas pelo fogo daquele olhar a que ninguem resistiu, o oceano de luz onde eu naufragara cego, já há tanto tempo ! E fui ao baile.

Iam-se as danças prolongando até muito dentro da noite, quando o porteiro anunciou a entrata de um dominó: A mascara de séda cobria-me o rosto, e só os meus olhos faiscavam como relâmpagos vivissimos.
A cortesia daquela gente não inquiriu do meu nome, mas, a legância requintada do meu traje, a maneira toda peculiar do meu modo de valsar, a frequencia ardorosa com que tirava Julieta para o salão e a perseguia por toda a parte, patentearam a todos quem deveria eu ser e passei a formar o único assunto das intrigas daquela noite. Pela madrugada, pelo simples capricho de conhecer-me, a mãe da Julieta, batendo palmas no salão, exigiu que as máscaras fossem arrancadas. Chegava para mim, o momento de retirar-me, pois, a minha presença se tornava insustentável. Todos concordaram e sómente o Dominó tristonho não estêve pelo arbítro geral.
Era, entretanto, necessário dizer ao publico uma das palavras que esclarecessenm a minha recusa. Batendo palmas tambem, subi a uma cadeira e deixei o coração revelar-me, sem que a máscara descesse.
Retirava-me, porque o roxo do meu traje simbolizava a paixão irrealizável a minha alma. Todo o encanto de uma paixão reside justamente em envolvê-la de um certo mistério. No momento em que os nossos lábios se abrem para dizer tudo a quem amamos, o nosso amor perde tôda a sua atração e se torna comum. Assim era a minha máscara de sêda roxa; se caísse, o meu rosto revelaria tanta mágoa, que a festa findaria em pranto. E para que chorar, quando todos riam?Deixaria, pois, aquela festa se não me permitissem ficar de mácara.
Fico? - Perguntei, ansiosamente, a todo o salão. Houve um momento de inquietude antes que a velha senhora falasse, dando a sentença. Julieta antecipou o veredito, bradando nervosa: - "Fica tristonho dominó da côr das almas melancólicas". E fiquei. Antes não ficasse, minha Eugenia, porque não trazia hoje tanta amargura comigo, nem tanta tristeza me encheria o vazio incomensurável da minha alma deserta. Porque tudo isso? Na carta seguinte eu to direi. Adeus.

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