terça-feira, 7 de abril de 2009

O DOMINÓ VERMELHO

EU fiquei naquela noite do baile. Todos já sabiam quem era e únicamente para evitar amarguras maiores é que não me expulsou a familia de Julieta. Na noite seguinte, têrça-feira de canaval, de novo os salões daquela casa se abriram e por um recado urgente fiquei sabendo que os porteiros tinham ordem expressa de não permitir a entrada a nenhum dominó roxo. Quando já dançavam por varias horas e ninguem mais se preocupava com o dominó da outra noite, o mestre-sala anunciou entre uma valsa e um lanceiro a presença de um dominó...vermelho. A surpresa foi geral e a todos se comunicou uma irresistível curiosidade; seria o mesmo de ontem? Porque veio hoje de vermelho? Outro simbolismo? Para aumentar a ansiedade curiosa, depois de revelar-me a Julieta por um modo todo meu de apertar-lhe a mão, sai valsando com a mais horrenda figura daquela noite, com uma tia provinciana da familia, mulher idosa que o casamento esquecera na desolação de uma virgindade martirizante. O contraste de nossos tipos chamou a atenção de todos e a minha elegância de dançarino perfeito foi uma tentação aos olhos cúpidos da mocidade folgazã daquele sarau. Deppois me quedei a um canto sem dançar. As moças incomodadas com a minha simulada solidão, pediram a Julieta que me fosse tirar , já que da senhora da festa deveria partir tamanha delicadeza. Era o que esperava e nessa noite invertemos os papeis: Julieta foi o galanteador e eu o amoroso bisonho. Pela madrugada surgiu de nivo a velha marquesa a exigir que as máscaras fôssem tiradas. Novamente subi a uma cadeira e, dizendo que ia imitar o tristonho dominó roxo da noite anterior, pedi que me conservassem a máscara, prometendo denunciar quem eu fosse, na missa de quarta-feira de cinzas. Na igreja, penetraria todo de preto, mas levaria uma insigna qualquer que me faria conhecido a todos. Concordou comigo a assistência, porque a imaginação ficou exaltada por saber o que iria acontecer na missa do dia seguinte. As músicas romperam de novo e requestrado por todas as mulheres, rodopiei no salão, ora nestes, ora naqueles braços, mas de preferencia ao lado de Juliana. Já no romper da aurora, numa valsa lânguida como chorosa: Quando mais nos veremos?
Amanhã, ou melhor, hoje na missa das cinsas. Receio que voce faça qualquer loucura e que êste seja realmente o dia das cinzas do nosso amor. Pode ser, minha querida, mas serei tão fino, que só os amorosos compreenderão o meu sinal. Ela fitou-me ainda e adivinhei lágrimas nos seus olhos. O coração feminino, Eugenia, é sempre mais delicado e como antenas misteriosas, vibra ao menor sôpro das invisíveis amarguras. Era a primeira vez que os nossos corpos se punham em contacto e talves nunca mais nos encontrassemos na vida. Quando os primiros convidados se retiravam e a saudade do carnaval se espalhava como uma cinza pelo ambiente, Julieta pediu-me quase chrando, que antes de partir, levantasse a máscara de sêda. Queria ver-me o rosto a descoberto, queria contemplar-me na sua propria casa, nos seus proprios braços, para que ao menos , dizia ela, quando não podermos mais falar, eu sonhe contigo e me console de te haver possuido contra o meu peito, junto ao meu infelicissimo coração. Levantei a máscara de sêda.
Era a um canto esquecido da sala, ás três da madrugada. Ninguém nos via; só Deus abençoava o nosso amor e os anjos velavam adejando pelo espaço embriagado de perfume, eletrizado de anseios, congestionado de desejos. o que se passou não posso escrever-te, minha querida , por que nesses momentos a razão se perturba e o homem desaparece para só ficar a apaixão. Lembro-me só de que a estretei junto a mim, tão apertadamente, que desfaleceu. O meu sopro de fogo reanimou-a e fugi, eis a verdade, para não desfalecer tambem, tal era o deliquio das minhas fôrças. Fugi. Era quarta-feira de cinzas e deveria preparar-me a missa, onde me daria a conhecer. No caminho, varias pessoas me tentaram, mas ia cego... de amor

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