quarta-feira, 8 de abril de 2009

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Quarta-Feira de cinzas amanheceu chuvosa e triste. Parece-me que toda a saudade do carnaval se projetava na colagem gris do dia enublado. Havia um grande sofrimento espalhado na atmosfera e um desejo inexplicavel de chorar me invadia como se houvesse perdido um grande bem da minha vda, o meu próprio coração. Vinha do meu intimo essa vontade infantil de chorar muito, a grandes soluços, num lugar onde todos me vissem chorando, tal como Jeremias que foi prantear no meio das ruinas da Cidade Santa, no momento em que todos passavam pelo cativeiro. Alguma coisa de muito desagradável me ia acontecer, pois assim me pressagiava o coração, Tentei uma cena de Teatro, uma coisa qualquer que distraisse, que me chamasse a atenção de todos, que me fizesse o homem d dia e talvez de sempre, falando em todas as conversações do local. De religião, minha querida, não tinha nessa época, nem o tamanho de um grão de mostarda. Depois, o vigario, homem rancoroso e político, inimigo da nossa familia por questões muito antigas, não me inspirava outro pensamento que não fosse o de coloca-lo em irrsão e escândalo. Imaginei pois um escândalo em plena igreja paroquial, naquele dia de penitência, únicamente para atrair a atenção do público e assim revelar-me aos comparças daquela noite de baile, em casa de Julieta. Sabes o que resolvi? Apresentar-me na igreja, e tomar cizas com meu traje de dominó tristonio da primeira noite. Minha familia, meu pai por exelencia, ameaçou-me de expulsar de casa se tentasse semelhante escandalo. Quem pode, porem, com a mocidade estróina e enfatuada? Por uma porta pouco frequentada do templo, ingressei naquela manhã que dissidiu da minha vida. Ia encolto numa grande capa espanhola que me ocultava o traje ridículo e atentatório à santidade do lugar. Quando mais repleta estava a matriz, do meu posto notava a curiosidade dos meus companheiros de baile, olhando sempre para qualquer pessoa que entrasse, na esperança de ver o sinal estranho, que o macarado prometera para aquela missa. No momento em que o vigario, depois d explicar o simbolismo das cinzas, descia do altar para a mesa da comunhão, onde numerosas pessoas se ajoelhavam para a cerimônia, bem do fundo sem capa espanhola, subi, mascilento dominó roxo com o meu rosto a descoberto.
Não houve surpêsa, houve espanto, ouve repulsa, houve indignação. Notei que Julita havia desmaiado e que o vigario,colérico, acenava para alguem, chamando-o. Esse alguem era o meu Pai. Ele subiu tambem, venerado na sua roupa preta, onde a cabeça branca era um pouco de luar. Chegou-se a mim e expulsou-me do templo, da familia tambem. Já não me recordo de como saí daquela missa, mas a atitude do meu progenitor calou-me muito mais do que se o céu, rasgando-se, me amaldiçoasse. Nunca mais alguem me viu na minha terra natal, a não ser dez anos depois, quando êste hábito já me envolvia na sua estamenha da penitência e que sob ele, outro coração pulsava inteiramente mudado, inteiramente morto. Foi assim minha querida Eugênia, numa espetaculosae saerflega tristeza, que me consumou a morte de meu amor, do meu único amor, criança que talvez brilhe transformada em luz, nalguma estrêla no céu, para assistir a meus passos aqui na vida escura de quem, tanto amado, já não pode mais amar. Então Julieta morreu? Nauela quarta-feira de cizas havia na celagem triste do dia chuvoso uma grande mâgoa diluida e do meu interior ascendia-me até os olhos uma vontade infantil de chorar. Parecia-me que ia perder um grande bem, o maior da minha vida e perdi na verdade: dez anos de ausência não permitiram colher, no desfalecimento final da agonia de Julieta, o seu ultimo olhar, o maior bem que já possui na terra.

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